
Se esse e-mail chegou até você, espero que ele te encontre bem. Espero que, apesar de ser domingo - e sabemos que os domingos costumam amanhecer com certa melancolia - que você tenha acordado com o pé direito: com fome de ovos mexidos, café e pão frescos, frutas da estação, iogurtes; espero que você respire o ar da manhã e que se sinta vivo, pleno e lúcido. Porque eu tenho notícias.
Em primeiro lugar, é melhor eu refrescar sua mente. Se você está me lendo, é porque se inscreveu de bom grado na minha antiga newsletter chamada Fumódromo. Pois é, já faz tempo (em dezembro completa um ano desde que parei de escrevê-la) mas esse não é um comeback. Tá mais para um lugar onde, esperançosamente, retorno para me sentir menos sozinho. Porque escrever e reescrever é bastante solitário, mas publicar um livro não (porque envolve muita gente), o que me faz questionar essa minha carência. De onde ela vem?
Meu nome é Lulu (Lucas) Mendes. Eu moro em São Paulo hoje, mas nasci em Campinas (sou conterrâneo de Sandy & Júnior; isso é legal, né?) e cresci numa cidade industrial vizinha chamada Hortolândia, que por ironia da vida, ou por necessidade, se manifesta em grande parte da minha produção narrativa. Não é incomum ser um jovem com ambições, mas às vezes penso em como seria mais fácil apenas aceitar um modo de viver e manter-se nele. Algo como: se cresci em Hortolândia, por que raios ela [a cidade] se tornou ponto de partida e não ponto de encontro? Por que decidi sair dela em vez de permanecer nela?
De um jeito ou de outro, sou contaminado por dilemas como esse e também por um medo específico: o de cair na cilada de meus próprios conceitos, de me contradizer. Tenho medo de já ter aceitado um modo de viver; mas é assunto para outra hora, tenho anúncios mais importantes.
Em setembro, coisas interessantes aconteceram: fui DJ pela primeira vez numa famosa casa indie da Vila Madalena (um surto que deve virar texto em algum momento). Também vesti uma calça de paetê maravilhosa, fui ao cinema ver filme francês, comprei passagens para uma viagem excitante que farei no Natal e recebi o e-mail de uma editora dizendo que adoraram meu livro e que “ficariam felizes se pudéssemos trabalhar juntos”.
Foi um choque e um alívio. Um choque porque sou o tipo de pessoa que espera sempre o pior (aquilo de contar com o não e se surpreender com o sim); e um alívio porque havia, afinal, um lugar para um livro chamado ‘Magia do desejo suave’.
Esse não é meu primeiro livro, e é por isso que venho chamando de “meu novo livro” em vez de “meu livro de estreia”; é provável, no entanto, que isso mude. Meu primeiro livro real foi escrito há dez anos: estava no ensino médio e decidi que seria engraçado unir cinismo e as histórias de amor fracassadas das minhas amigas em uma crônica adolescente. O pior é que deu certo. Às vezes o professor de português, um sujeito bastante estranho se querem saber, me convidava para fazer leituras do meu livro, falar de literatura para meus colegas etc. Parecia um sonho a ideia de cabular as aulas de química e matemática para divulgar meu trabalho sem que isso me prejudicasse. Aquele professor não sabia - ou sabia, e isso o tornaria ainda mais estranho - que alimentava todo um sistema de crenças.
“Sou um escritor”, eu dizia. E nos corredores, quando um novato do primeiro ano passava por mim, alguém se encarregava de dizer a ele: esse é o escritor.
Entre novembro de 2021 e março deste ano, retomei a mesma dinâmica. Escrevi o que veio a ser, novamente, uma crônica do meu tempo na primeira pessoa. Abri um blog (no caso a newsletter). As publiquei independentemente (seria loucura se um veículo tradicional publicasse a Fumódromo) e ela virou um livro.
Magia do desejo suave não é a newsletter; a newsletter não é Magia do desejo suave. Se posso dizer algo sobre o autor (no caso eu) é que ele não estava pronto para assumir que havia uma intenção nessa escrita. Ele não queria desejar demais, porque desejar pressupõe realizar, e realizar um desejo é uma coisa perigosa.
Tarde demais. Já é um livro. E se for ruim, culpem a Editora Minimalismos por apostar num adolescente que matou aula de exatas para contar suas histórias.
Penso que seria mais fácil lidar com esse momento se tivesse dezesseis e não vinte e seis. Um autor de dezesseis anos com um contrato assinado é a pessoa mais feliz do mundo e não tem medo de anunciar aos quatro cantos de uma cidade suburbana que é a pessoa mais feliz do mundo. Mas eu não estou no pátio de uma escola agora. Estou no meu quarto ouvindo os pássaros da manhã. A janela está aberta mas daqui a pouco eu fecho pois só nessa semana recebi a visita de dois corvos marrons. Sim, corvos, como os de filme de terror. Também tenho tido pesadelos com aranhas há pelo menos dez dias. Deve ser influência das fantasias de halloween, do eclipse ou de True Blood, que vejo todas as noites antes de dormir. Choque e alívio. Ufa! A aranha não é real. Ufa! O corvo foi embora. Ufa! Meu livro vai ser publicado.
Mas como nem sempre de “Ufas!” sobrevive um jovem do meu tempo, é necessário que eu me autorize a ser um pouco mais como um menino de dezesseis anos. E é por isso que termino esse texto aos berros:
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!